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Sempre quis ter dois filhos. Sempre tive receio de deixar com que a busca por realização profissional atrasasse demais minha vontade de ser mãe, a ponto de tornar as coisas mais difíceis.

Então, aos 26 anos, quando assumi meu primeiro cargo público (sou concurseira e vivo estudando para concursos) meu marido e eu decidimos começar a tentar engravidar. Para mim, demorou. Foram seis meses e eu já estava fazendo exames para ter certeza de que estava tudo bem.

O segundo filho realmente demorou. Foram quase três anos tentando engravidar. Eu fiz diversos exames, estava tudo bem. Meu marido, no entanto, descobriu que tinha baixa contagem de espermatozóides e varicocele. Fomos em uma especialista em infertilidade que logo começou a falar em fertilização in vitro. Pensamos: já era, deixa prá lá, afinal, já temos uma filha.

Mais tarde, ele consultou um urologista que nos tranquilizou e ele iniciou um tratamento hormonal e com vitaminas, e perguntou se ele andava muito estressado. Parecia simples demais, e sim, ele andava estressado com o trabalho. Não botamos muita fé e desencanamos.

Nossa vida acabou dando uma reviravolta quando assumi outro cargo bem melhor e mudamos de cidade. Tudo estava melhor, e apesar de meu marido estar buscando emprego na nova cidade, estávamos felizes com a mudança. Quatro meses depois, engravidamos do Ruben!

Com muita dificuldade consegui marcar uma consulta com a obstetra que havia me atendido no parto da minha primeira filha.

Naquela época (hoje ela tem 5 anos) eu já tinha lido muito sobre parto, seus benefícios em relação à cesárea, tanto para a mãe, quanto para o bebê. Já tinha certeza que queria um parto natural. Mas não tinha noção de como escolher bem a equipe para o parto fazia a diferença.

Eu gostava da médica, ela era super atenciosa, simpática, tirava as dúvidas que tínhamos. Na consulta falei que como ela tinha realizado o meu primeiro parto, “queria que o segundo fosse igual”.

Na hora em que aquilo saiu da minha boca, comecei a repensar no parto que eu tinha tido e hesitei.

Algumas semanas depois, encontrei uma grande amiga minha, que é enfermeira obstétrica. Ela teve uma primeira cesárea eletiva e agora estava estudando e acompanhando partos normais e naturais. Conversamos um monte e eu contei como tinha sido o meu parto. Falar sobre isso me fez relembrar o fato de que meu parto tinha sido muito ruim.

Estava inquieta com esse sentimento, e resolvi pesquisar alguns sites que minha amiga havia indicado, até que me deparei com um vídeo sobre violência obstétrica.

Aquilo me deu um frio na espinha. Eu lia a lista de exemplos de violência e pensava: aconteceu comigo, aconteceu comigo. Chorei copiosamente na frente do computador. Meu marido entrou no quarto e perguntou o que estava acontecendo e eu disse: temos que mudar de obstetra!

Eu não era desinformada. Eu sabia que não queria anestesia, porque pode alterar os batimentos do bebê e porque atrapalha nas contrações e na progressão do trabalho de parto. Eu não queria episiotomia, nem ocitocina. O meu erro foi achar que estaria protegida pelo parto na água, já que tais intervenções não podem ser feitas se você está na banheira. Meu primeiro parto começou na banheira, mas não terminou lá.

Eu me internei na maternidade com 4 cm de dilatação. A médica fez um primeiro exame de toque e descolou as membranas. Fui caminhar no estacionamento por algumas horas. Com uns 7 cm subi para a sala de parto e fui para a água. Fiquei lá até atingir dilatação total. Aí a médica me mandou fazer força. Depois de algum tempo, ela estorou a minha bolsa e me mandou sair da banheira, fui para uma cama em que se fica bem sentada e continuei com os puxos dirigidos. Me colocaram um “sorinho e um remedinho para a dor” (ocitocina e sei lá mais o quê). Eu dizia que não estava sentindo vontade de empurrar: “não era para eu sentir puxos?”, ninguém respondia, só me diziam para prender a respiração e fazer força. Tinha uma outra moça lá que falava: “ela tá fazendo errado, assim ela não vai conseguir!” Durante a contração o bebê descia, depois subia novamente (agora sei que é assim mesmo). Sem resultado a médica falou: “acho que o cordão está enrolado, vamos para a cesárea?”. Eu que já estava há 19 horas em trabalho de parto, sendo 9 horas na maternidade, estava cansada, e concordei. Subi as escadas e o bebê encaixou novamente. Cheguei no centro cirúrgico, me aplicaram a peridural, deitei na cama, os batimentos da bebê começaram a cair, a médica fez a episiotomia e falava: “tem que sair agora, se não vou fazer parto de português: empurrar por baixo e tirar por cima” (legal, piadinhas nessa hora), duas enfermeiras fizeram a manobra kristeller e minha filha nasceu.

Eu estava feliz que tinha escapado da cesárea. Mas a sensação era de que tinha passado um caminhão em cima de mim. Cheguei a pensar se não teria sido melhor ter marcado e pronto. Meu marido depois me disse que logo que deitei na cama, o bebê coroou. Podia ter escapado da anestesia também.

Agora, grávida do meu segundo bebê, eu percebi que no meu primeiro parto ninguém me informou nada, ninguém me perguntou se eu queria isso ou aquilo. As intervenções simplesmente foram sendo feitas. Então, quais as chances de meu segundo parto ser diferente com a mesma obstetra? Na única consulta ela logo já foi falando que não esperava além das 40 semanas, coisa que me aterrorizou da primeira vez. Não ia deixar isso acontecer novamente.

Estava decidida. Nos sites encontrei o da Cris e a contratei. Vi alguns vídeos de parto com a Roxana e fui atrás. Meu marido sempre me apoiando.

Amamos a consulta com a Roxana e ficamos totalmente seguros de que conseguiríamos o parto natural a não ser que realmente não fosse possível.

Na consulta com a Cris relatei o meu parto com um nó na garganta, e cada vez mais percebia como aquilo me afetou e como eu queria que fosse diferente agora.

Minha segunda gravidez foi tranquila, mas mais cansativa que a primeira. Tirei minha licença com 37 semanas, tendo em vista que moramos em Joaçaba, a seis horas de Florianópolis, morrendo de medo de entrar em trabalho de parto antes e não dar tempo de chegar. Achava que isso iria acontecer antes das 40 semanas do meu primeiro parto. Mas me enganei. O Ruben demorou ainda mais, passando das 41 semanas (já teria ido para a faca se não tivesse mudado de GO).

A sensação é muito estranha, nesse finalzinho da gravidez. Eu tinha todo o tempo contrações de treinamento e algumas bem doloridas e seguidas, mas não entravam num ritmo. Você não sabe o que vai acontecer e quando vai acontecer. Eu ficava com medo de ir passear no shopping e a bolsa estourar por lá. Nos últimos dias a minha impressão era de que eu ia ficar grávida para sempre.

Com 41 semanas e 1 dia, já cansada das ligações perguntando “e aí? Já nasceu?”, liguei para a Cris desesperada: “não nasceee!”. E ela, muito querida, foi me acalmando, disse para eu confiar no meu corpo, que eu tinha uma ótima obstetra em quem eu podia confiar (pense no meu medo de uma cesárea), disse para conversar com meu bebê. Desliguei o telefone, chorei, abracei meu marido, fiz um chá de cravo, canela, gengibre e pimenta do reino,  e fui dormir.

No dia 10/06 acordei determinada! Fui para a academia do prédio da minha mãe, andei de esteira e bicicleta por alguns minutos, fiquei rebolando e saltitando na bola de pilates.  Às 17h tinha marcado uma sessão de acupuntura para dar uma estimulada. Durante a sessão senti uma contração bem mais forte do que as que andava sentindo. E diferente, parecia apertar o útero e fazer pressão para baixo. Falei para a fisioterapeuta e ela marcou a hora. Quatorze minutos depois, senti outra, e mais outra. A partir daí, elas não pararam e viam neste intervalo de tempo. Voltei para casa pensando: “é, acho que começou”. Jantei, fiquei assistindo desenhos com minha filha. Era umas 20h, avisei a Cris, minha mãe foi para o ensaio do coral, meu marido foi dar comida para nossas cadelas e gatas (isso mesmo, trouxemos 4 pets de Joaçaba para Floripa, que deixamos na casa vazia da minha mãe). E eu dizendo: “podem ir, vai demorar!”. Na verdade já estava contrações de 5 em 5 minutos, mas estavam suportáveis.

Quando o pessoal chegou em casa, quase 22h, eu já estava com os olhos arregalados e com contrações de 3 em 3 minutos. Fui tomar um banho e pioraram enormemente. Mal conseguia me arrumar. Nível 8 de dor, marido apertando a lombar a cada contração (dica da físio, alivia pra caramba), põe um sapato, contração, põe o outro, contração, escova dentes, contração, penteia o cabelo, contração, vamos, vamos, vamos!!! Pega a mala! Pega a outra filha, vaaaai!

Mensagem pra Cris: “contrações de 2 em 2, me encontra na maternidade! Avisa a Rox!” O apartamento da minha mãe fica a uns 10 minutos do Ilha, mas o caminho pareceu interminável. Quase deixei meu marido louco. Lombada? Eu gritava: “devagaaaaaar!”, contração? “para, para, para!!!”  (pense no carro encostando no meio fio). A subida até a recepção, então… doeu aquilo!

Finalmente chegamos na recepção e a recepcionista perguntou se eu tinha ordem pra internação e foi pegando a papelada. Eu olhei pra cara dela e senti um puxo! Por sorte a Cris chegou junto conosco. Eu abracei ela, meu marido também. Graças!!! “Cris, eu quero subir, pleaseee”. Ela me levou pra cima e meu marido ficou na recepção.

Já na sala de parto ela foi enchendo a banheira e eu fui ao banheiro, parecia que o bebê ia nascer ali mesmo. O resto do tampão saiu (já estava saindo há alguns dias). A Cris disse que eu devia estar com 9 ou 10 cm de dilatação. “Chama meu marido!” E ligou para a Roxana, que já estava chegando. Ela entrou na recepção e arrancou o Cesar de lá, sem dar tempo dele assinar autorização para analgesia e cesárea.

Quando eles chegaram, a Rox me examinou e eu estava com dilatação total. Fui para o banquinho de cócoras e fiquei lá até a banheira ficar pronta. Puxos. Entrei na água e relaxei, ai como é bom. Fiquei um tempo lá, mas minha perna repuxava a cada contração (devia ter sido a caminhada que fiz pela manhã). Eu perguntei para a Cris, que olhava com a lanterna: “E aí? Tá saindo?” E ela disse para eu mesma verificar, como ela tinha me ensinado em uma das consultas. Como a bolsa não havia rompido, eu senti “uma bola de chiclete” com apenas a pontinha do dedo, coisa de 1 cm de distância. Tá vindo! Mudei de posição e fiquei em quatro apoios, comecei a sentir uma ardência. Neste ponto, a dor das contrações realmente diminui. Eu sentia apenas os puxos, mas eles vem com tudo. É impressionante. Em nenhum momento eu fiz força conscientemente, meu corpo fazia por mim. A Rox só olhava com a lanterna, e depois perguntou se eu podia sair para ela examinar melhor.

Eu saí da banheira, com dificuldade, porque é meio difícil agir entre uma contração e outra, muito próximas. Quando você cria coragem, já começa outra. E sentei no banquinho. Meu marido sentou atrás de mim e me deu apoio. A Rox pediu para eu inclinar para trás, e quando eu fiz isso, o bebê nasceu! Eu não vi, mas meu marido disse que foi muito legal, ele saiu com a bolsa e a Rox a removeu. Senti dois momentos: a cabeça, o corpo, muito rápido. A dor cessou na hora. Ela me entregou ele e fiquei ali o olhando.

Logo fui para a maca, para esperar a placenta nascer e fiquei com ele no colo, só nos olhávamos. A Rox pediu para eu tocar no cordão para ver ele pulsar, meu marido cortou depois que parou. E me mostrou a placenta depois que ela saiu, muito legal. A Cris falou pra mim: “natural, Wendy”, a Rox falou: “és uma ótima parideira”. Aquilo significava tudo para mim.

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O Ruben nasceu às 00:11 do dia 11/06, depois de apenas seis horas desde a primeira contração, e duas na maternidade. Tive uma laceração que não precisou de pontos, e estava cicatrizada em uns 5 dias. Com 10 dias não sentia mais nada. Já pude sentar na posição de índio no dia seguinte ao parto. Ele nasceu bem, não foi aspirado e não tomou banho no primeiro dia. Ahh, que cheirinho maravilhoso o do vérnix. Até minha filha diz que sente saudade do cheirinho que o Ruben tinha quando nasceu.

Minha filha e minha mãe entraram na sala, e a Alyssa finalmente conheceu o irmãozinho. Detalhe: ela não quis entrar na sala comigo, pois disse que não queria me ver chorar. Eu não chorei, mas fiz barulho (ou vocalização, como preferir), com certeza! Principalmente porque naquele dia, com 8 internações eu fui a única de parto normal.

Fui andando para o quarto, o Ruben mamou e dormiu lindamente a noite toda. Eu não consegui. Minha cabeça estava a mil, o filme ficava passando e passando, eu e meu marido extasiados com tudo aquilo, ficamos conversando, como foi perfeito!

É uma sensação inexplicável. Falei pra Cris que faria tudo de novo no dia seguinte, me sentia ótima. E é engraçado que essa sensação não passou até hoje, quatro meses depois daquele dia. Ainda tenho muita saudade do meu parto e faria tudo novamente, só para reviver aquele momento.

Tive medo de entrar em trabalho de parto? Não, tudo que eu queria às 41 semanas era sentir uma contração de verdade! Senti dor? Claro que sim, mas é uma dor com propósito, ela vai e vem, e dá para sentir quando ela alcança o seu ápice, quando está cada vez mais perto do bebê nascer. Posso dizer que me preocupei quando senti uma queimação, mas não a ponto de desistir. O período expulsivo, que eu não havia presenciado no meu primeiro parto, é poderoso, eu senti o meu corpo agindo, sozinho, sem controle, sem que eu pudesse parar para pensar. E a dor realmente desaparece quando o bebê nasce, fazendo tudo valer a pena. Faria algo diferente? Sim, lembraria de tirar a mala do carro para pegar a câmera e tirar algumas fotos! Ainda bem que a Cris tirou algumas.

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É uma realização saber que é possível parir sem intervenções, sem medicamentos. É uma sensação de poder maravilhosa. E a descarga hormonal daquele momento me fez sentir muito mais conectada com a minha cria, é inebriante. Tanto que todo o resto fluiu bem, a amamentação, os primeiros dias em casa.

Ah, e outra coisa inexplicável é a sintonia que eu e meu marido criamos com a Cris. Parecia uma amiga de longa data, e me deu uma saudade enorme após o parto, uma vontade de ligar e conversar, de ir lá na casa dela apresentar o bebê. Eu sei que ela não é doula de pós parto, mas devia ser! Ainda bem que tem o grupo de mães, se não iria me sentir órfã! Obrigada por tudo!

” Wendy, amei seu relato e ri muito! Foi uma noite mágica e fico muito feliz de ter participado desse processo de gestação e parto! Muito obrigada e parabéns! – Cris Doula”