A previsão do parto era 05 de março, mas já passávamos da 37ª semana, então eu tava tranquila. Se nascesse agora, o Leo já não seria considerado prematuro.

Na terça-feira, eu trabalhando na frente do computador, nenhum esforço a mais do que o natural de uma pessoa sentada, e sinto líquido entre as pernas. Pouco, normal, acho até que já tinha vindo algo assim. Só que um tempinho depois, mais líquido. E mais. Falei com a Cris e ela disse que era normal. Ou líquido amniótico ou, mais provável, bolsa estourada. Se fosse o caso, era só esperar as contrações pra ver no que ia dar. No fim, o líquido era tanto que eu não tinha dúvidas: a bolsa tinha mesmo estourado.

E veio aquela animação: pronto, ele está vindo! Deixo programados vários e-mails de trabalho, organizo mil coisas, saímos pra rua tirar fotos de grávida e vou deitar pensando que as contrações podem vir a qualquer hora. E elas realmente vêm, um pouco mais fortes que as de treinamento, mas não a ponto de significarem alguma coisa.

Acordamos na quarta ansiosos: fotos do nosso último dia sem filho! Caminhada pelo bairro pra ver se algo se agiliza, bola de pilates, comida apimentada, chá de canela, cravo e gengibre.

No fim do dia a Cris nos avisa que o Fernando, obstetra, quer ver como está a situação. Fomos ao Ilha, ele examinou e nada de bolsa estourada. Nada, nada disso, voltamos ao zero. Ok, você perdeu o tampão, mas isso não indica muita coisa. Volta pra casa e relaxa.

E como relaxar depois de sentir meu filhinho aqui tão perto? E como a gente ia dormir depois de já termos certeza que conheceríamos logo a carinha dele? Quinta e sexta frustrantes, a solução é se atirar no trabalho. E não de parto, que fique claro.

Na sexta dormi mal, acordei várias vezes pra ir ao banheiro, tive umas contrações espaçadas, uma noite em claro. Sábado acordo com um mau humor do cão. Seria o fim da gravidez e a proximidade de uma TPM?

No sábado à noite ainda estou mal. Ficamos na cama jogando Perfil. E pelo menos desta vez tenho desculpa pra perder de lavada: contrações. Leves, mas elas estão ali.

No meio da noite, elas não estão mais tão leves. Estão chatas, pesadas, duras, incômodas. E vão piorando. Tento contar os espaçamentos, o único indício real de trabalho de parto, mas pelo menos até umas 5 da madrugada é uma aqui e outra ali. Doídas, cada vez mais fortes e frequentes, e nada de regularidade.

Até aí eu já tinha falado com a Cris, e ela disse que eu não tinha nada a fazer além de esperar.

E as contrações começaram a piorar. Doíam na lombar, profundo. E a cada contração eu só pensava muito: não posso contrair, não posso apertar mais, o segredo é relaxar. E combinei certinho o lugar da massagem com o Viti, dois pontos exatos na lombar. Chegava a contração, nós dois nos concentrávamos: respira pelo nariz, expira pela boca, relaxa, relaxa, aperta ali na lombar… pronto, passou. E logo tudo se repete, centenas de vezes. Claro que a dor ele não sentia, mas acho que nunca vivemos juntos algo tão sincronizado, tão profundo e em perfeita harmonia.

Na minha cabeça, um medo absurdo: tudo o que eu tinha lido é que teria que chegar até o intervalo de 3 minutos entre as contrações e só então a dilatação realmente viria. E isso naquela hora me deixava apavorada. Escrevi diversas mensagens pra Cris. Meu pânico de telefone me impediu de ligar nos momentos de desespero e gritar: “Cris, dane-se, estou indo pro hospital”. Confesso, cheguei a deixar o número prontinho, mas a contração acabava e eu voltava a acreditar que tudo daria certo.

Só pelas 9 da manhã, quando eu já não aguentava mais, quando não conseguia mais ficar em posição alguma, e a Cris chegou.

Liga pro Fernando, junta as tralhas, vamos para o  hospital. O Viti ainda tenta colocar uma musiquinha, mas eu só reclamo que o carro tá sacudindo. Sei que o parto tá próximo, que logo vou pegar as mãozinhas do Leo, e é isso que importa.

Na maternidade parece que as contrações ficam um pouco mais calmas. Deito na cama de parto, tento ficar de costas, mais uma ou outra posição, mas nada é confortável. Fernando examina, 9 cms! Banheira, vamos pra banheira. E aí de repente rola uma calma absurda no quarto. Calmaria, paz, tranquilidade mesmo. Nada mais da tensão da noite. Parece que tudo o que vivi até ali não existiu, e chego mesmo a questionar se deveria fazer parte do relato.

Estamos na sala de parto: eu, o Viti, a Cris, o Fernando e mais uma pediatra e uma enfermeira, que entram de vez em quando. Um fala que adora o Matadeiro, outro gosta de barcos na Lagoa, e eu chego a ficar espantada: peraí, mas não tenho que fazer nada? Não, por enquanto não, relaxa. Vez por outra vem contração, o Viti ou a Cris aperta nos pontinhos da lombar, eu sofro um pouquinho, mas logo acalmo de novo.

Ok, mas e agora, o que fazemos? O que faço pra ele nascer? Perco o medo, só. A partir de agora eu sei, é só decidir: quero que ele venha ao mundo, quero conhecer o meu filho.

E a coragem vai vindo aos poucos. Vamos tentar outra posição? O Fernando sugere na cama, puxando os pés, pro Leonardo descer bem. Explica tudo, pede pra eu tentar quando vier a contração. Ensaio um berro, só pra testar.

Tentamos um pouco nesta posição, mas logo pegamos um banquinho. Olho no espelho, procuro o Leo, mas ele ainda não aparece. Faço força, faço força, chamo alto o Leo, mas ainda tenho medo.

Uma nova sugestão: a Cris fica na minha frente, e quando a contração chegar, nós duas descemos de cócoras e tento expulsar. E descemos uma, duas, três, algumas vezes. Até que eu tenho certeza: quero que ele venha, eu preciso perder o medo. E desço com vontade. E ele quase sai. Minha sensação é a de que ele veio, mas voltou. Frustração, chego a pedir desculpas: perdoem, não é fácil.

Vamos pra banheira, de novo. E aí faço força, um pouco mais e um pouquinho mais. E quando olho pra água, tem um bebê prontinho, já metade pra fora de mim. O Fernando sugere: pega, Marina. E eu tô atônita, abraço meu filho no colo. Ele tá ali, juntinho de mim. Pequeninho, demora até chorar. Vejo o Viti vindo na minha direção, e a partir daí é só sonho, só amor.

Claro que foi uma noite inteira, que teve dor, que tive momentos angustiantes. Que pensei em ligar pra Cris e dizer que eu desistiria. Mas justamente a presença dela foi o que me ajudou nesse sentido: me deixou calma, fez eu relaxar e esperar a hora certa. E foi muito importante também a presença do Fernando, que na verdade virou meu obstetra meio por acaso e quase na última semana. Ele simplesmente estava calmo, tranquilo, mas firme dando as dicas e, claro, fazendo o filme mais lindo da minha vida. Insuperável, é lógico.

Marina Speranza – Mãe do Leonardo – Nascido em 17/02/2012