Dois meses se passaram e ainda tenho muito desejo de falar do nosso tão sonhado e planejado parto. Quando me reporto a ele, vêm as inúmeras lembranças de aconchego e o desejo de que tudo desse certo. Eu e o Eduardo sempre soubemos que nosso amor era digno de um filho que representaria toda a imensidão e a completude daquilo que vivemos. Minha gravidez foi anunciada e vivenciada com muita alegria, reverenciamos cada instante com muita intensidade. O desejo era de fazer desse momento uma marca em nossa trajetória, gostaríamos que Caetano soubesse que estávamos prontos para recebê-lo com todo nosso amor, com todo nosso aconchego. Acho que foram os anjos que me conduziram a pesquisar muito, foi quando comecei a me informar acerca da humanização do parto. No início da gravidez, tivemos uma consulta com uma médica vinculada ao nosso Plano de Saúde; já nesse dia, ela foi logo avisando que só faria um parto normal se a gestação fosse até a 40ª semana, inquietei-me com isso e fui logo encontrar outras indicações de médicos mais humanizados. Recebi um e-mail indicando a Drª Roxana e a Equipe Hanami, também consegui o blog da doula. Dessa forma, fui entrando nesse mundo tão magnífico acerca da humanização do parto, fui entendendo como a natureza é PERFEITA e gostaria que qualquer decisão considerasse tamanha perfeição. E assim fui seduzida a parir em casa. Tivemos um encontrão com a Equipe Hanami, onde tiramos todas nossas inquietações e saímos decididos que era esse o nosso caminho. Na 38ª semana, a Joyce e a Renatinha fizeram a primeira consulta; nessa semana, eu já percebi que Caetaninho estava pertinho. Mas confesso que não pensava muito como seria o parto, trabalhava, trabalhava… Na 39ª semana, após muita insistência de meu marido e da minha mãe, resolvi parar de trabalhar, afinal ainda faltava terminar algumas coisas. Nessa semana, tivemos outra consulta com a médica e dela escutei: “É impressão minha ou sua barriga abaixou?”. Que susto escutar isso, percebi que agora sim estava chegando a hora. Ela ainda completou: “Caetano, me deixa descansar uns dois dias!”, pronto! Não tive dúvida, Caetano estava próximo. Assim, no dia 12/05, tivemos a segunda consulta com a Equipe Hanami, estava curiosa em conhecer a Vânia, encantei-me com o olhar carinhoso da Tânia. E assim foi uma longa conversa, alguns apostavam na lua cheia que estava para chegar… um certo “friozinho na barriga”. Queria terminar tudo (sempre fui daquelas que deixa tudo para a última hora). Vânia, ao sair, disse: “Marcamos então para a próxima quinta, se ele não chegar antes”. Diante dessas palavras, tive uma sensação de que não haveria outra consulta.m passeio na praia… Ondas anunciavam um ritmo perfeito, um ar diferente, cheiro de MUDANÇA entrava no meu ser e um INSTINTO fez com que eu pronunciasse para meu marido: “Du, sinto que está muito próximo”. Dia 14/05, acordei muito estranha, um cansaço no corpo, recorri às águas de um banho quente e, quando percebi, já chorava, nem sabia o porquê. Meu instinto anunciava que eram os primeiros sinais. À noite, uma pequena confraternização de pipoca… Estava inquieta e mal conseguia dormir. Uma cólica leve… Às 4h do dia 15/05, uma cólica mais forte anunciava o início de um lindo dia, fiquei sozinha a pensar “Será sinal?”, inventei de olhar o relógio e tentar contar, aqueles ponteiros caminhavam e eu não entendia nada, fiquei confusa. Acordei o meu marido e pedi para que ele tentasse contar. Ele disse haver certa regularidade entre as contrações. Logo após, o tampão se desprende. Confirmado, ele estava chegando! Liguei para a Vânia e ela me disse que a Renatinha iria me examinar. Liguei para a doula, ela me recomendou que tentasse dormir.
Renata chegou, seu ar de serenidade me anunciava que estava no primeiro cm de dilatação. Recomendou tomar banho quente e voltar a dormir. A ansiedade me tomou, meu parto estava ali, tantos dias sonhando, pensando e agora sim era o momento de aproveitar cada momento. E foi assim que o sono não veio…
Tomei um café da manhã, mas já não conseguia ficar parada, precisava caminhar, meus passos se deslocavam por todos os cômodos da casa, enquanto isso minha mãe já anunciava para minha irmã que o seu sobrinho estava a caminho. Ela deslocou-se de São Francisco do Sul para acompanhar o parto – mais tarde, descobri que ela havia feito um acordo com o pequeno Caetano para que ele viesse na semana que iniciava, já que ela viria para ficar com a gente, e tirar nossas últimas fotos. As contrações se intensificaram e, como as águas são sempre meu refúgio, foi a elas que recorri, num breve banho.
O tempo entre as contrações diminuíram e, assim, pedi para chamar a Renatinha. Ela logo chegou, seu carinho sempre me acalmou. A doula também ligou e disse que já estava vindo. Não havia posição que me acalmasse…
Descobri então a bola e lá fiquei, com ela pude relaxar nos movimentos que uma mãe-dançarina agora passava a descobrir. Massagens nas costas, palavras de conforto e silêncio. Por vezes, sentada na bola e encostada na cama, deparei-me com meu próprio silêncio – estava agora prestes a ouvir o ritmo que embalava aquele acontecimento. Percebi a contração como uma música – um pouco intensa, na verdade – que tinha melodia, harmonia, início, o refrão e o fim. Na bola, percebi o movimento da casa; minha irmã chegava, trazendo um cachorrinho de pelúcia para o Caê e brincando comigo. Naquele instante, me senti acolhida por todos, marido, mãe, sogra e maninha. Ainda na bola, almocei. Caminhei pela grama do quintal com a Doula, meus gatinhos me circulavam e lá senti um vento que dizia: “Caetano vai te ensinar”.
Mas senti a dor forte e perguntei: “Essa dor aumenta?”; percebi então que Renatinha e Doula, ficaram meio desconcertadas para responder. Pensei mais uma vez: “Caetano vai te ensinar!”.
Voltei para a bola, certa inquietação me acenava. Renata então pediu para me examinar, ela nem disse o quanto de dilatação naquela hora. Pensei: “Tanta dor pra nada, aposto!”, mas resolvi nem perguntar, isso iria me deixar nervosa. Pediu para que eu fosse para o chuveiro.
E agora, sim, as águas confortaram minha alma. Edu foi comigo e ficou junto. Eu, sentada na bola deixando com que a água escorresse pelo corpo, ele de pé, segurando minha mão e cantando. Músicas do nosso casamento, agora anunciando pela sua voz um novo ENCONTRO: “Tudo o que move é sagrado, e remove as montanhas com todo cuidado, meu amor. Enquanto a chama arder, todo dia te ver passar, tudo viver ao teu lado com o arco da promessa, do azul pintado pra durar…” (Beto Guedes). Uma chama realmente acenava no meu corpo, uma chama de fogo que queimava minhas costas e eu já me sentia muito presente. Foi preciso manter meus olhos fechados, sentir, ouvir, imaginar, não queria me desequilibrar.
A dor era dor mesmo, não tinha conforto, não tinha trégua. Era preciso encontrar em cada instante minha força. Confesso que naquele instante um medo começou a me tomar, um medo de não conseguir parir em casa, de o nosso sonho desmanchar-se, de eu não conseguir aguentar um parto sem nenhuma analgesia. Imaginei as ondas que a Doula me anunciava serem as contrações. Por vezes, estive naquele mar de que tanto falavam. Mas a dor era mais forte do que as ondas… Não conseguia transmutar o sentido da dor dizendo: “São ondas, são contrações”…Não! Era uma dor forte que queimava as costas e me embriagava. Comi chocolate, tomei florais, enfim fiz um banquete debaixo do chuveiro. Ficamos ali por muito tempo e só me dei conta da duração quando meu marido disse: “Vou acender a luz do banheiro” – descobri que tínhamos ficado quase quatro horas debaixo da água. Já caía a noite, e escutar as outras vozes que compunham esse cenário foi uma alegria, chegavam Tânia, Joyce e Vânia.
De olhos fechados, com aquela água quente, antes dela mesmo falar, já senti a sua presença. “E aí, minha querida” – disse Vânia. “Eu não consigo transpor a sensação da dor” – disse eu a ela. Ela respondeu: “Então faça da dor a sua aliada, ela não será maior que isso que está sentindo, chame-a porque ela trará o Caetano para seus braços”. Fizemos uma respiração e chamamos a dor que anunciava o Caetano. Foram sábias as palavras que confortaram esse momento. Neste instante, percebi o quanto podemos mudar de foco/pensamento em relação à dor. Enquanto isso, Tânia e Joyce montavam a banheira. A casa toda estava num clima descontraído, estavam rindo, brincando…
Vânia me examinou: 5 cm de dilatação. Pensei: “Poxa! Só!”. Ela então pediu para todos saírem, queria ficar sozinha comigo no quarto. Perguntou-me: “O que está havendo? Do que está com medo?” Ali, pude contar-lhe do meu medo, o de não aguentar. Ela assegurou-me que eu saberia o que fazer. Ali, fez mais um toque e 7 cm de dilatação. Pediu-me para ir para a banheira para relaxar…
O Du já havia escolhido músicas que eu gostava e quando cheguei na sala encontrei uma paz jamais sentida. Uma penumbra, uma música instrumental do Sérgio Tatit (palavra cantada instrumental) e minha alma já dizia: “Encontra sua paz”… Uma alegria transbordava do meu peito, o Du me abraçava e pude sentir nós três num elo jamais sentido. Tive a sensação de relaxar tanto que parece que dormi (mas no final, nem sei o que aconteceu).
Chorei de emoção quando ouvi a música que dancei quando estava no quinto mês de gestação. Pensei: “Você embalou-se em vários espetáculos na mesma música que agora vem para mim”. Acompanhando essa paz, chega a Roxana com um olhar fraternal, no tempo/espaço certo; minha alegria foi grande quando senti sua mão e pude olhar para os seus olhos. Naquela banheira, fiquei durante mais um tempo e, num silêncio, senti a presença de todos naquele espaço. Quando abri meus olhos, vi minha mãe, Roxana e a Doula, encostadas na banheira, me olhando – foi uma imensidão nos olhares. Por um instante, ouvi uma voz calma e serena que assoprava meus ouvidos, completando ainda mais minha paz: Tânia estava ali, acalmado-me e dando a certeza que tudo estava certo.
Pediram-me então para sair, achei estranho, não entendi o que estava havendo. Fui para o banquinho, de cócoras, e lá a Vânia me avaliou. Senti alguma coisa estranha, e me avisaram que o colo do útero não havia se desprendido totalmente. Neste instante, o desespero me atormentou, quase pedi para me levarem para o hospital, para aplicarem qualquer analgesia que me arrancasse aquela dor. Fiquei por um triz, mas por um segundo cenas trilharam o meu pensar: imagens do Du, o som do coração do Caetano, toda minha família e todo o empenho da equipe, tudo fez arrancar de mim uma força que jamais imaginaria ter, afinal estava no final e se cheguei até ali Caetano ia vir pela mesma força… Joyce me afagou nos seus braços e ali ficamos por alguns instantes. Ali, escutei palavras de conforto, clamei pelos anjos e senti uma energia cósmica que anunciava o possível. Roxana aplicou-me uma sessão de acupuntura…
Pediram-me para caminhar no bairro. Eu, Du, Tânia e a Doula, em plenos 9 cm de dilatação, caminhamos em silêncio, ouvindo o vento que adentrava as ruas do bairro Daniela. Vi a lua e senti um elo, uma certeza de que eu e Caetano faríamos esse ENCONTRO acontecer. Caminhando, percebi que ele se encaixara mais, um deslocar louco e uma pressão enorme. Avisei: “Caetano chegará ao mundo na rua, é melhor voltarmos”. Elas riram… Demos uma volta no bairro e retornamos. Quando cheguei, um chá feito pela Roxana, bem quentinho e pronto para me ajudar, me aguardava. Uma parceria indescritível de todos, sentia uma energia de mulher no espaço, uma força me tomava…
Depois, mais uma avaliação. Ali, precisei encontrar essa força. Vânia e Roxana aguardavam-me no quarto. Ali, encaixaram o pequeno Caetano e ajudaram o colo a se desprender totalmente. Elas diziam: “Se deixarmos, você terá mais quatro horas de trabalho de parto“. “Meu Deus”! pensava eu, já muito cansada e sabendo que não aguentaria mais tempo. Encontrei a força no âmago de mim mesma e disse: “Vamos, podem fazer o que quiserem”. Mais banquinho e já anunciavam que estava coroando. Que alegria saber que ele estava tão perto. Mais chuveiro, e uma irritação me tomava, não sei explicar… Saí e fui direto para a banheira.
Ali, senti toda a energia, a alegria a anunciar que agora sim estava prestes a receber o meu pequeno Caetano nos braços. Senti-me num mundo indescritível. Ouvia as vozes delas, numa harmonia, como um canto de mulheres trazendo-me uma energia incomensurável. Eu e o Caetano, estávamos só nós dois naquele mundo. Ele me disse: “Agora estamos preparados, MÃE”; eu dizia: “Eu quero te trazer ao mundo”; e ele já acenava no meu corpo a sua chegada. Um ENCONTRO num mundo em que jamais havia estado. Ali, todo grito, toda força, toda alma postos numa só prontidão. Diziam: “Grite, clame por seu filho Julia”. Como foi bom ouvir isso!
Assim, anunciando um novo ciclo, o começar um novo dia, às 00h03min do dia 16/05, Caetano Terra acenava os seus primeiros instantes nesse mundo.
Num misto de dor, alegria, prazer, cansaço e ternura, Caetano chegara ao mundo, no canto enérgico das mulheres, no desabado choro do meu marido, nas palmas de minha mãe, na alegria da minha sogra e no “bem-vindo, Caetano, ao mundo” da minha irmã. E eu que nem me dera conta de que ele já estava na água. E, quando vi, já estava com ele nos braços. Seu choro, seu olhar, um elo indescritível. Tal momento me assegurou que agora, sim, eu vivenciara um DIVINO TRANSFORMADOR ENCONTRO. Tão belo que, se pudesse, teria pairado por todo o resto da minha vida…
Obrigada é pouco para anunciar a gratidão desse momento: as mãos, as palavras, os olhares, o carinho e a competência dessa equipe de ouro que garantiu todo esse sublime momento. Como não agradecer e desejar que futuramente tantas mulheres possam confiar-lhes os seus partos e fazer desse momento mágico o fiel de toda TRANSFORMAÇÃO, mostrando a capacidade a todas elas de (re)encontrar-se, deparar com as suas próprias naturezas, cujas forças são inexplicáveis e garantem um BELO NASCER.
10/07/2011 – Relato escrito por Julia Terra, mãe do pequeno Caetano Terra- 54 dias.
http://julia-caetaneando.blogspot.com/