Todos os anos, milhões de mulheres na América Latina têm sua vulva e vagina cortadas cirurgicamente (musculatura vaginal, tecidos eréteis da vulva e vagina, vasos e nervos) sem que haja qualquer justificativa médica para isso. Esse corte, chamado episiotomia, tem sido utilizado de rotina em centenas de milhões de mulheres desde meados do século XX, com base na crença de sua necessidade para facilitar o parto, e para a preservação do estado genital da parturiente. A partir da metade da década de 80, há evidência científica sólida recomendando a abolição da episiotomia de rotina. 

Sabe-se que, para a grande maioria das mulheres, a episiotomia é um problema, não uma solução: ao invés de promover a saúde genital ou a do bebê, provoca danos sexuais importantes, dor intensa, aumenta os riscos de incontinência urinária e fecal, e leva com freqüência a complicações infecciosas, problemas na cicatrização e deformidades, genitais, entre outros agravos. Trata-se de uma violação dos direitos sexuais e reprodutivos, dos direitos à integridade corporal, à informação e escolha informada, à condição de pessoa e à eqüidade no acesso à saúde.

 Vários estudos mostram que as mulheres relatam que o momento mais doloroso da parto foi exatamente o da sutura da episiotomia. Muitas mulheres relatam que escolhem a cesárea para fugir de uma episiotomia, especialmente depois de uma experiência traumática e com seqüelas. Diante da permanência desta prática na assistência ao parto, injustificável frente às evidências científicas, a episiotomia de rotina tem sido considerada por vários autores como uma forma demutilação genital, e mesmo como violência de gênero cometida pelas instituições e profissionais. 

No Brasil, prevalece um sistema erótico baseado nas noções de atividade-masculino e passividade-feminino. Essa concepção mecânica e passiva da vulva e da vagina é transposta para o parto, dificultando a compreensão, mesmo pelos médicos, de que faz parte da anatomia e fisiologia normal das mulheres que seus genitais aumentem de tamanho durante o sexo e o parto, voltando depois ao tamanho usual. 

A concepção dos genitais femininos como passivos ratifica a idéia da vagina “apertada” ou “frouxa” (mas sempre passiva, diante do falo em movimento que a estimula e é estimulado). Isto dificulta a compreensão da vagina e vulva como órgãos ativos, capazes de se contrair e relaxar, de acordo com a vontade feminina, até por se tratar de musculatura voluntária, tal como re-descrito pelos estudos mais recentes da anatomia e fisiologia genital feminina. Em resumo, mais do que prevenir a episiotomia, a questão é como promover a integridade corporal no parto.

 Isso inclui as mudanças institucionais discutidas acima, mas também na formação de recursos humanos e na opinião pública, para reduzir os índices de episiotomia desnecessária (lesão sexual iatrogênica no parto), promovendo uma assistência ao parto menos agressiva e uma vida sexual mais satisfatória, para mulheres e suas parcerias.

Fonte : Simone G. Diniz é médica, doutora em Medicina Preventiva e professora do Departamento de Saúde 

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