Por Ana Cristina Duarte – Obstetriz
Bebê grande não é indicação de cesariana.Quer dizer então que a natureza preparou um bebê dentro do útero de uma mãe que não tem como sair? Mais ou menos como um marceneiro montar um armário dentro da oficina que não tem como sair pela porta? Bom, o marceneiro burro pode até perder o armário, paciência. Mas a natureza não é burra, e não tem caché energético para bancar bebês que são feitos por 9 meses e depois não podem sair, matando a si mesmos e às suas mães.
Na natureza, nos últimos 100 mil anos, cada vez que uma mutação genética fazia um bebê ser gigantesco para sua mãe, o que acontecia era o óbito de ambos. Esses genes malucos de bebês gigantes jamais puderam se reproduzir e perpetuar em nossa espécie. O tamanho dos nossos bebês não é fruto do acaso, do sorteio. Ele foi moldado pela seleção natural ao lonto desse longo período. Curiosamente nos últimos 40 anos, que é aproximadamente a idade da indústria da cesárea no Brasil, começaram a pipocar os incontáveis casos de bebês que não podem nascer por serem enormes.
Vamos aos fatos:
1) Não há como saber o peso dos bebês no útero. A ultrassonografia é uma tecnologia absolutamente inapropriada para cálculo de peso. Aparelho de ultrassom transforma onda sonora em imagem, e a imagem é medida por um computador, que joga tudo numa tabela internacional e dá um peso estimado. Não é de se surpreender que o erro chegue a 20% e que alguns bebês nasçam com até 1 kg de diferença entre o estimado e o real.
2) A bacia das mulheres têm flexibilidade através de seus ligamentos, que é aumentada pela relaxina, um hormônio que tem níveis elevados durante a gestação. A bacia interna (que é por onde o bebê passa) não tem como ser medida com precisão. Tamanho de nádega materna não é tamanho de bacia. Uma mulher pode ter um bumbum bem grande (como essa que vos escreve) e uma bacia pequena internamente (não é o meu caso). Outra pode ser magérrima, tipo Gisele Bundchen com fome, e ter uma bacia interna muito grande.
3) Os ossos da cabeça do bebê são soldos (a famosa “moleira” é justamente um dos espaços entre esses ossos). Durante o trajeto do canal de parto, os ossos se sobrepõem, formando um cone. Quando o bebê nasce, sua cabeça tem quase o formato de um ovo. Em poucas horas esse cone se desfaz e a cabeça fica redonda. Por isso também, as medidas do crânio do bebê calculadas pelo ultrassonografista não servem para absolutamente nada. Só servem para diagnosticar possíveis patologias fetais e predizer problemas de saúde do recém nascido. Essas medidas podem até ser úteis a um neonatologista, mas nunca a um obstetra.
4) Existe a possibilidade do bebê adentrar a bacia pélvica de forma inadequada e não passar. É a chamada desproporção céfalo-pélvica (DCP). Esses são os bebês que poderiam morrer se não fosse pela cesariana. Porém o único modo de de diagnosticar uma desproporção é aguardando a mulher entrar em trabalho de parto, aguardando toda a dilatação do colo do útero (total, ou praticamente total), aguardar algumas horas (por volta de quatro ou mais, se o bebê estiver bem), sem que ele desça pelo canal de parto. Ainda assim é importante se tentar pelo menos uma analgesia por algumas horas antes de se decidir por uma cesariana por DCP.
5) Já assisti desproporção em bebês de 2500g e já vi bebês de 4700g nascerem em partos muito rápidos. Em outras palavras, o peso não tem NADA A VER com passar ou não passar. Já vi mulher de 1,80m ter desproporção e mulher de 1,40m ter parto muito rápido e fácil. Em outras palavras, tamanho de mulher não tem NADA A VER com passar ou não passar. O tamanho do marido também não tem qualquer importância nessa equação.
6) A altura uterina não tem qualquer utilidade para se determinar se um bebê vai passar ou não, pois ela depende de muitos outros fatores que não o peso do bebê.
7) Bebês grandes não tem maiores chances de “rasgar” os tecidos da mulher durante seu nascimento. O risco de laceração ocorre principalmente pelas intervenções (ocitocina, Valsalva, litotomia, Kristeler) e pela velocidade da saída do bebê. Técnicas de preparação do períneo durante a gestação têm sido promissoras no sentido de evitar lacerações de períneo e devem ser empregadas não importa o tamanho estimado do bebê.
8) Distócia de ombros, quando o ombro fica preso depois do nascimento da cabeça do bebê, é um evento muito raro, que fica um pouco mais provável com o uso de manobras como o fórceps e kristeler. Mais da metade dos raros casos de distócia acontece em bebês que não são considerados grandes. Seriam necessárias mais de 300 cirurgias cesarianas em gestações de bebês supostamente grandes, para evitar um único caso de distócia de ombros. Essas 300 cirurgias certamente fariam muito mais mal a essas 300 mães e 300 bebês do que as consequências em geral passageiras de uma distócia de ombros.
9) Tamanho de vagina não tem nada a ver com essa questão. Se a mulher tiver algum problema nesse sentido, pode até solicitar a possibilidade de uma analgesia para o final do parto, para não sentir a passagem do bebê, caso entre em pânico durante o período expulsivo. De toda forma, a vagina é composta por tecidos musculares, que são muito flexíveis. A DCP se refere aos ossos da pelve materna, e não aos tecidos moles.
10) Não existe bebê tão grande que pode “entalar”. O ponto mais estreito da bacia é uma linha imaginária que passa pelas duas espinhas isquiaticas. Ou o bebê passa ou ele não passa por esse ponto. Se o bebê não passar pela linha, ele nasce por cima. Se passar, nasce por baixo. Não existe um “purgatório” na bacia, de onde a criança jamais poderá sair. Sempre dá para nascer, por baixo ou por cima.
Em resumo, eu considero prática de má fé qualquer indicação de cesariana baseada em medidas, seja de altura uterina, tamanho de cabeça, peso calculado pelo ultrassom, medida da bacia por raio X, tamanho do bumbum, número de calçado ou tamanho dos ombros do marido estivador.
Por Ana Cristina Duarte – Obstetriz em São Paulo.
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