( Este texto já rola na internet a um tempo, e eu adorei. Mas hoje senti a necessidade de trazê-lo ao blog. Ontem durante um acompanhamento de parto, como os que sempre faço, o bebê nasceu em casa. Por não ter sido um parto planejado, a mãe e bebê foram encaminhadas para a maternidade com calma, após a puérpera se alimentar, tomar banho, e com a recém-nascida vestida. Ambas saudáveis, mas na maternidade começou o assédio moral, acompanhado de preconceito, ironismo e sim, ignorância por parte dos profissionais. Para esses pessoas, eu dedico esse texto.)

O parto domiciliar está na mídia e na boca do povo. Infelizmente, tem muita gente escrevendo sobre o assunto sem o menor embasamento, sem ler um único estudo e sem a menor vontade de compreender o que leva uma mulher a fazer essa opção. Além das menções sensacionalistas e as descaradamentereacionárias, tem gente dizendo asneiras como “o parto em casa está na moda (por causa da Gisele Bündchen)”. Discordo: moda é quando algo está sendo adotado por uma maioria (neste sentido, moda é cesárea agendada). A realidade é muito menos interessante: o parto domiciliar é simplesmente uma opção – milenar, diga-se de passagem – abraçada por um grupo seleto de indivíduos, bem informados e conscientes, que compartilham de uma mesma filosofia.

A intenção deste post é explicar essa filosofia e defender a escolha consciente pelo parto em casa, entendido aqui como um parto conduzido em domicílio, natural (sem uso de drogas para acelerar o trabalho de parto ou anestésicos), na companhia de profissionais treinados (médico, enfermeira obstétrica, obstetriz ou parteira) em que mãe e bebê são considerados de baixo risco (estabelecido no pré-natal).

1. O parto é um evento fisiológico. Sei que isso é óbvio  – até mesmo os manuais de obstetrícia diriam o mesmo -, mas, na prática, a obstetrícia tradicional não respeita muito a fisiologia o parto e, geralmente, um parto hospitalar transforma-se num evento médico, uma oportunidade para submeter a paciente (sim, entrou no hospital e você vira uma doente, mesmo estando comprovadamente saudável o suficiente para gerar uma vida) a uma série de intervenções. Entre elas estão (basicamente em ordem) a tricotomia, a ocitocina sintética, a anestesia, a posição de litotomia, a episiotomia e a manobra de kristeller. Prometo escrever um futuro post sobre parto hospitalar tradicional para quem quer saber o que são essas coisas. No momento, o importante é dizer que o parto domiciliar, por acontecer no território da mulher e por ser acompanhado por profissionais que acreditam na fisiologia do parto, é livre de intervenções desnecessárias. A crença no parto como evento fisiológico se sustenta com base em estudos recentes sobre fisiologia do parto e também no senso comum: afinal, somos animais e não teríamos atingido uma população de 7 bilhões se o parto fosse um evento que necessitasse grandes intervenções médicas.

2. O parto domiciliar assistido e planejado é seguro. Embora a grande mídia ou o seu obstetra afirme o contrário, vários estudos comprovam a segurança do parto em casa. O mais notável é o estudo holandês – que traz dados de quase meio milhão de partos – e dois estudos recentes de2005 e 2009 corroboram a conclusão de que o parto domiciliar é tão seguro quanto o parto hospitalar, para mães e bebês, e com menos intervenções (desagradáveis) para ambos. O único estudo relevante que traz dados pouco favoráveis ao parto domiciliar foi duramente criticado por publicações de peso como Nature e o The Lancet por causa da metodologia muito suspeita usada para medir a mortalidade perinatal (entre outros “detalhes” metodológicos, eles incluíram casos de partos extra-hospitalares não planejados, como nascimentos a caminho do hospital ou em casa desassistido). Mesmo assim, até esse estudo controverso confirma que, para a mulher, o parto domiciliar tem índices mais favoráveis (mortalidade, morbidade e intervenções) que o parto hospitalar. Vale a pena acrescentar que no parto domiciliar planejado sempre há um plano B e que, em caso da necessidade de transferir para um hospital, a equipe de assistência está preparada para essa eventualidade.

3. A visão tradicional e hegemônica sobre o parto não é necessariamente baseada em evidências científicas. Isso merece um outro post, mas o resumo é: várias práticas médicas vigentes são baseados não em dados científicos comprovando sua validade, mas em “achismo” ou “tradição” ou “ritual”. Isso ajuda a explicar por que os especialistas entrevistados pelos jornais e revistas (todos obstetras) são contra o parto domiciliar. A maioria não leu estudos sobre o assunto (só citam o estudo desfavorável, mencionado acima e ignoram dezenas de pesquisas mostrando o contrário). E pior: a esmagadora maioria dos médicos nem sabe o que é um parto 100% natural, protagonizado pela mulher e pelo bebê com toda a sabedoria milenar do corpo, dos hormônios e do instinto animal de parir. Os médicos treinados em obstetrícia aprendem na faculdade dois tipos de parto: cesárea e parto vaginal com intervenções de rotina. Basta ler um pouco sobre a história da obstetrícia para ver que o conhecimento médico é como grande parte do conhecimento humano: imperfeito, incompleto e totalmente ideológico. Infelizmente, essa ideologia hegemônica é compartilhada pela mídia e pelo povo como um todo. A sorte é que temos neurônios e estudos científicos como os citados anteriormente para pensarmos sobre essa ideologia com olhos críticos.

4. Parir na intimidade do lar permite uma experiência única e muito recompensadora. Veja qualquer vídeo ou leia qualquer relato de um parto realizado em casa e você vai começar a entender por que muitas mulheres alimentam o sonho de parir de forma natural, na presença de pessoas benquistas, num ambiente acolhedor e seguro e familiar,  onde vão se sentir livres para entrar nas posições e fazer os barulhos que bem entendem. Mais uma vez, isso está relacionado ao primeiro ponto (o parto como um evento fisiológico e, vou mais longe, um evento sexual). É impossível não se emocionar com a beleza e a magia de um parto totalmente natural. Por favor, entre AGORA no Google ou no YouTube e faça essa busca por relatos ou vídeos de partos em casa. Recomendo também o filme “Orgasmic Birth”.

Espero que eu tenha conseguido mostrar que o parto domiciliar é um entre as milhares de possíveis escolhas que estão abertas às gestantes de baixo risco. Outras escolhas incluem: parto normal hospitalar, cesárea intraparto, cesariana previamente agendada, parto natural hospitalar, parto normal induzido, parto domiciliar desassistido, parto natural em casa de parto… É uma lista bem extensa. Cada uma com suas vantagens e suas desvantagens. Num mundo ideal, qualquer escolha seria considerada válida contanto que fosse feita com base em informações de confiança, sem outros interesses que não a saúde da mãe e do filho e desejo da mulher. Esse mundo ideal, onde a inteligência e o protagonismo da mulher são respeitados, ainda não existe. Mas eu pretendo lutar por ele. E você?

Fonte: http://amaequequeroser.wordpress.com/2012/02/03/parto-domiciliar-o-que-voce-deveria-saber-antes-de-julgar/

 


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