Foto do google

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Às vezes a natureza se manifesta de forma bastante ilógica, e porque não dizer, injusta. Bebês deviam nascer e viver muitos anos até se tornarem adultos e velhinhos. Embora essa seja a regra, infelizmente existem as exceções. Pode acontecer de um bebê ter sua vida estranhamente interrompida ainda dentro do útero materno. Essas situações são raríssimas, especialmente no terceiro trimestre, quando o corpo está todo pronto, só faltando o amadurecimento do final dos órgãos. 

Aqui vão algumas perguntas frequentemente feitas quando isso acontece: 

1) Porque ele/ morreu?

Se nada foi verificado nos exames, se tudo estava bem, é muito difícil descobrirmos a razão. Pode ter sido um acidente do cordão umbilical, um problema metabólico raro, ou formou-se um trombo que interrompeu o fluxo de sangue para o bebê. Enfim, após o nascimento pode até ser feita a necropsia, avaliação superficial, exame anatomo-patológico da placenta, mas a verdade é que a maioria desses óbitos não são esclarecidos.

 2) A mãe pode ter causado isso?

Não, tirando situações específicas como por exemplo uma fortíssima intoxicação, de modo geral o sistema bebê/bolsa/cordão/placenta/líquido é todo auto-equilibrado, quase um sistema fechado e inviolável. Quando ocorre um desequilíbro nesse sistema fechado, foi um caminho do bebê, não da mãe. Mesmo que não consigamos descobrir porquê.

 3) Era possível se evitar?

Não, nos casos em que não houve complicação de pré natal, esses eventos são totalmente aleatórios, raros e de surpresa. Não tem como saber que algo está acontecendo.  

4) Isso vai acontecer novamente?

Pouquíssimo provável. O risco continuará sendo o mínimo, muito pequeno, muito raro. Com exceção de algumas raras patologias, não há essa “tendência” de perder bebês no final da gravidez. 

5) Não é melhor fazer uma cesárea então, para se livrar logo do problema?

Não. A cesárea sempre adiciona risco à vida da mãe. Além disso, é uma marca eterna no corpo. As gravidezes seguintes têm mais risco, o útero pode se romper, as aderências podem dificultar a vida normal. Pode haver infecção, e na cesárea ela se disseminar pelo corpo da mãe. Após a cesárea, são semanas de dor e lembranças da cirurgia, que sempre remeterão à morte do bebê. No parto normal, quando acabar, acabou, encerrou o ciclo, fechou.

 6) O que é melhor, induzir o parto tão logo se saiba da notícia, ou aguardar entrar em trabalho de parto?

De forma geral, se mãe não tiver problemas de saúde e os exames de sangue estão bons, é possível esperar até que o corpo esteja pronto para atravessar o processo do parto. Esse tempo pode ser muito útil, para que os pais possam voltar para casa e digerir a notícia, começar o processo de luto, chorar o que precisarem chorar. Os pais precisam de tempo! Às vezes toda a família precisa! A indução pode levar 24h, 48h até 72h para se transformar em trabalho de parto e parto. Um parto espontâneo demora 6 a 18 horas. Passar pelo parto com a notícia recém recebida faz com que o sofrimento se potencialize.

 7) Quanto tempo dá para esperar, depois de recebida a notícia?

Em geral em alguns dias a mãe entra em trabalho de parto, mas pode demorar algumas semanas. O médico poderá solicitar algum exame de sangue para verificar que a mãe continue saudável. Caso haja alterações, a indução será sugerida. Essas alterações são raras, porque o sistema fechado da bolsa mantém o bebê intacto, lacrado, sem bactérias. Não há um aumento de risco de infecção. O útero está fechado e protegido.

 8) Mas tudo o que está no útero não vai se estragar?

Não, tudo fica intacto, se não houver infecção. Se houvesse, os exames de sangue e febre materna apontariam. 

9) Mas como ter um parto normal se o bebê não vai ajudar?

Após a morte do bebê, ele tende a ficar mais molinho, perder a rigidez, o que facilita muito o nascimento. A força das contrações uterinas é suficiente para empurrar o bebê pelo canal de parto. 

10) A mãe pode tomar anestesia no parto normal?

Sim, sem dúvida é uma opção, embora o processo natural também possa trazer muitas vantagens, é fato que algumas mulheres precisem dessa ajuda tecnológica, que deveria estar disponível.

 11) Não seria melhor nem mostrar o bebê para os pais?

De forma alguma! O que os olhos não veem, a mente imagina, cria, piora, transforma, fantasia e piora. A realidade é sempre a melhor versão dos fatos. Os pais precisam guardar uma imagem real e concreta do bebê e mesmo sem que as pessoas sugiram, eles sempre procuram ver no bebê as partes mais lindas. Os pais não são obrigados a olhar, mas deveriam ser convidados, e caso recusassem, poderiam ser convidados novamente mais tarde. Mesmo o mais resistente dos casais, em algum momento eles querem ver seu bebê. 

12) O que acontece depois que o bebê nasce?

Do meu ponto de vista, apesar de toda a tristeza envolvida, é importante lidar com naturalidade com essa situação. Os pais amam aquele bebê e querem vê-lo. O bebê pode nascer, ser protegido por tecidos e entregue aos pais para que eles possam abraçar, olhar e chorar o que precisam. Os pais podem querer ver as partes lindas de seu bebê, os pés perfeitos, as mãos, unhas, narizinho, orelhas. Para os pais, é o bebê deles. Portanto é importante tratar como um bebê que viveu lá dentro. Temos que honrar essa vida, ainda que curta. O ideal é oferecer o bebê imediatamente, e aceitar tanto que eles queiram, quanto que eles não queiram ver imediatamente. É importante respeitar as primeiras horas para que eles tenham todo o tempo do mundo para estar com o bebê, ver, olhar, sentir e chorar. Eles podem querer vestir, enrolar em alguma manta especial, rezar ou fazer algum ritual específico que faça sentido para eles. O bebê não pode ser levado do quarto enquanto os pais não estiverem prontos para se despedir. Alguns pais gostariam de ter uma foto do bebê, sozinho ou os três juntos. Não se espante, apenas faça o que eles pedirem. Respeitemos sempre a forma como cada um encara suas perdas. Todas são legítimas, todas fazem sentido.

 13) E os profissionais? O que acontece se eles se emocionarem?

Não tem problema se emocionar. Não tem problema chorar junto. Não tem problema. Profissionais são filhos, são pais, tiveram suas próprias histórias. Eles sofrem também e isso não é errado. Os pais enlutados não esperam que as pessoas ao redor não chorem. Eles apenas esperam que as pessoas os ajudem a atravessar essa difícil ponte da despedida mais significativa. 

14) O que acontecerá depois que os pais se despedem do bebê na sala de parto?

Depois disso o corpinho seguirá o caminho mais burocrático, do serviço funerário, cremação, enterro. O pessoal do hospital orienta a família. 

 15) A mãe deve ir no enterro/cerimônia de cremação?

Se ela estiver bem, ela pode querer ou não querer. Não tente influenciá-la. Respeite a sua decisão. Dificilmente o pai escapará de encarar a parte burocrática, infelizmente. E isso inclui o enterro ou cerimônia de cremação.

 16) A mãe pode engravidar novamente um dia?

Sim, quando ela se sentir pronta para encarar a maternidade novamente, especialmente se ela teve um parto normal. Esperemos que os profissionais responsáveis pelo parto não tenham feito episiotomia ou fórceps, claro. Primeiro porque não há razão para ambos. Segundo porque a recuperação será infinitamente mais rápida. No entanto é bom lembrar que um bebê não substitui outro. É importante que se encerre o ciclo do luto antes que se comece outro ciclo de vida. O luto pode levar de alguns meses a alguns anos.

 Esse texto foi escrito em memória à Rosa, que viveu 37 semanas e era linda. E tinha dedos longos e pés pequenos. E que era a cara da mãe dela. Foi escrito por inspiração pela integridade emocional de seus pais, que me permitiram participar desse triste momento, onde pudemos também, porque não, rir juntos, chorar juntos e ter esperanças juntos. Que eles possam superar essa perda e continuar assim tão lindos e tão íntegros.

 Ana Cristina Duarte

Obstetriz

PS: nos EUA há uma organiza,ão que chama “now I lay me down to sleep” de fotógrafos profissionais, voluntários (100% gratuito), que registram este momento único na vida da família. Será a única chance de preservar em imagens a união da família com a criança. As fotos são lindas, tristes e intensas. Eis o site do grupo:

https://www.nowilaymedowntosleep.org/

 

 


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